"Animal Farm" (1945), George Orwell:
Todos os animais estavam presentes, exceto Moisés, o corvo domesticado, que dormia fora, num poleiro junto à porta dos fundos. Quando o Major os viu, bem acomodados e aguardando atentamente, limpou a garganta e começou:
- Camaradas, já ouvistes, por certo, algo a respeito do estranho sonho que tive à noite passada. Mas falarei do sonho mais tarde. Antes, tenho outras coisas a dizer. Sei, camaradas, que não estarei convosco por muito mais tempo e, antes de morrer, considero uma obrigação transmitir-vos o que aprendi sobre o mundo. Já vivi bastante e muito tenho refletido na solidão da minha pocilga. Creio poder afirmar que compreendo a natureza da vida sobre esta terra, tão bem quanto qualquer outro animal vivente. É sobre o que desejo vos falar.
"Então, camaradas, qual é a natureza desta nossa vida? Enfrentemos a realidade: nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. Nascemos, recebemos o mínimo alimento necessário para continuar respirando, e os que podem trabalhar são exigidos até a última parcela de suas forças; no instante em que nossa utilidade acaba, trucidam-nos com hedionda crueldade.
Nenhum animal, na Inglaterra, sabe o que é felicidade ou lazer, após completar um ano de vida. Nenhum animal, na Inglaterra, é livre. A vida do animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade, nua e crua.
"Será isso, apenas, a ordem natural das coisas? Será esta nossa terra tão pobre que não ofereça condições de vida decente aos seus habitantes? Não, camaradas, mil vezes não! O solo da Inglaterra é fértil, o clima é bom, ela pode dar alimento em abundância a um número de animais muitíssimo maior do que o existente. Só esta nossa fazenda comportaria uma dúzia de cavalos, umas vinte vacas, centenas de ovelhas --vivendo todos num conforto e com uma dignidade que, agora, estão além de nossa imaginação. Por que, então, permanecemos nesta miséria? Porque quase todo o produto do nosso esforço nos é roubado pelos seres humanos. Eis aí, camaradas, a resposta a todos os nossos problemas. Resume-se em uma só palavra --Homem. O Homem é o nosso verdadeiro e único inimigo. Retire-se da cena o Homem e a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para sempre.
"O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o que dê para pegar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os animais. Põe-nos a mourejar, dá-nos de volta o mínimo para evitar a inanição e fica com o restante. Nosso trabalho amanha o solo, nosso estrume o fertiliza, e, no entanto, nenhum de nós possui mais que a própria pele. As vacas, que aqui vejo à minha frente, quantos litros de leite terão produzido neste ano? E que aconteceu a esse leite, que poderia estar alimentando robustos bezerrinhos? Desceu pela garganta dos nossos inimigos. E as galinhas, quantos ovos puseram neste ano, e quantos se transformaram em pintinhos? Os restantes foram para o mercado, fazer dinheiro para Jones e seus homens. E você, Quitéria, diga-me onde estão os quatro potrinhos que deveriam ser o apoio e o prazer da sua velhice. Foram vendidos com a idade de um ano --nunca mais você os verá. Como paga por seus quatro partos e por todo o seu trabalho no campo, que recebeu você, além de ração e baia?
"Mesmo miserável como é, nossa vida não chega nem ao fim de modo natural. Não me queixo por mim, que tive até muita sorte. Estou com doze anos e sou pai de mais de quatrocentos porcos. Isto é a vida normal de um barrão. Mas no fim, nenhum animal escapa ao cutelo.
Vós, jovens leitões que estais sentados à minha frente, não escapareis de guinchar no cepo, dentro de um ano. Todos chegaremos a esse horror, as vacas, os porcos, as galinhas, as ovelhas, todos. Nem mesmo os cavalos e os cachorros escapam a esse destino. Sansão, no dia em que seus músculos fortes perderem a rigidez, Jones o mandará para o carniceiro e você será degolado e fervido para os cães de caça. Quanto aos cachorros, depois de velhos e desdentados, Jones amarra-lhes uma pedra ao pescoço e os atira na primeira lagoa.
"Não está, pois, claro como água, camaradas, que todos os males da nossa existência têm origem na tirania dos humanos?" (...)
"E agora, camaradas, vou contar-vos o sonho que tive a noite passada. Não sei como explicá-lo. Foi um sonho sobre como será o mundo quando o Homem desaparecer. Mas lembrou-me algo que há muito eu esquecera. Há anos, quando eu ainda um leitãozinho, minha mãe e as outras porcas costumavam cantar uma antiga canção da qual só conheciam a melodia e as três primeiras palavras. Na minha infância aprendi a melodia, depois a esqueci. A noite passada, entretanto, ela me voltou à memória (...).
Bichos ingleses e irlandeses,
Bichos de todas as partes!
Eis a mensagem de esperança,
No futuro que virá!
Cedo ou tarde virá o dia,
Cairá a tirania
E os campos todos da Inglaterra
Só aos bichos caberão!
Não mais argolas em nossas ventas,
Dorsos livres dos arreios,
Freios e esporas, descartados,
Chicotadas abolidas!
Muito mais ricos do que sonhamos
Possuiremos daí por diante
O trigo, o feno, e a cevada,
Pasto aveia e feijão!
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