“Na cabeça de alguém sóbrio até poderia passar ileso, mas um ébrio jamais deixaria de achar um grande mistério”
Teste de gravidez
RUTH MANUS*
Chegou em casa meio embriagada. Nada preocupante, apenas
trilili. Colocou o pijama, chutou os sapatos do meio do caminho. Lembrou-se de
tirar a maquiagem – coisa que jamais aconteceria aos 18, mas que aos quase 30
começa a tornar-se imperiosa. Ao jogar o algodão no lixo, viu o elemento. Coisa
estranha, uma caixa de remédios amassada, torcida, como se quisesse esconder
sua própria face. Algo que, na cabeça de alguém sóbrio até poderia passar
ileso, mas que um ébrio jamais deixaria de achar um grande mistério.
Não teve dúvidas. Enfiou o braço no lixo e pegou a caixa.
Desamassou-a, com algum esforço. Seus olhos se arregalaram, sua boca se abriu e
sua garganta puxou o ar, emitindo aquele ruído de profunda surpresa. Era um
teste de gravidez. Ficou confusa. Quem? Quando? Como assim? Levou a mão ao
queixo, como uma aprendiz de Sherlock Holmes. Quais as mulheres que haviam
passado por aquele banheiro? Sua mãe, de 68 anos. A empregada, de 74. Sua
sobrinha de 2 anos. Sua outra sobrinha de 13 – NEM BRINCA. E, sim, sua irmã, de
34, mãe da pequena de 2. Faz sentido. Meio bêbada, porém ainda sagaz.
Pegou o celular, tirou uma foto da caixa e mandou para a
irmã, com a carinhosa legenda “mano, que merda é essa?”. Eram 2 da manhã. Foi
para a cama confusa. Será? Outro sobrinho, já? Que delícia. Só faço a parte do
entretenimento mesmo. Adormeceu, mas algumas horas depois acordou pensando: se
a caixa estava lá, o teste também deve estar. Levantou-se apressada, sentou-se
no chão do banheiro e começou a cavocar o lixo. Não sabemos ao certo se a culpa
era do álcool ou do amor de irmã. Até que encontrou e lá estavam elas,
evidentes: duas tirinhas cor de rosa. Positivo. Tentou ligar para a irmã, que
nem acordou com o toque do celular. 5 da manhã e ela já não conseguia dormir.
Eram mais de 10 quando a irmã ligou e disse que não se
conformava que ela tivesse vasculhado o lixo. “Parece que não me conhece, sou
assim desde sempre”. A irmã disse que, mesmo com o resultado positivo, não
estava assim tão certa. Queria fazer mais um teste “o digital, sabe? Que mostra
de quantas semanas você está grávida.”. Ela não sabia, mas disse que compraria
na farmácia antes de irem para o jantar de aniversário do pai delas.
Chegaram ao restaurante alemão. Na mesa: os pais, a avó,
tios, um primo, a pequena de 2 anos e os seus dois maridos. Faltou o irmão.
Paciência. Dez minutos depois da chegada, ela piscava para a irmã e apontava
para o banheiro. Sussurrava “vamos, vamos logo, comprei essa porcaria e você
ainda fica me enrolando?”. Foram. Ela pediu um copo de plástico para o garçom,
que prontamente a atendeu, perguntando: deseja gelo? Não, não precisa. Apesar
de não beber whisky, detestou imaginar um copo de xixi com pedras de gelo
boiando. A irmã fez o teste. Aqueles segundo de espera até sair o resultado são
mesmo tão angustiantes quanto os minutos de espera por uma porção de fritas que
demora. Mas pronto: confirmado. Mais um bebê. Abraço longo.
“Olha, vou enrolar o resultado em papel e dar de aniversário
pro pai”. Jura? “Ah, já que vou contar que estou grávida, pelo menos aproveito
o mistério”. Voltaram para a mesa. A irmã teve a sensatez de avisar seu marido
antes. Depois, entregou o rolo de papel ao pai, que abriu e, para surpresa de
ambas, deu um sorriso amarelo e disse: ah, legal, obrigada. Estranharam. A mãe
perguntou o que era e ele respondeu: um termômetro. Caíram na gargalhada. “Não
é um termômetro. Tô grávida de novo.” E aí a família toda gritou e chorou, foi
aquela cafonice afetuosa.
Nove meses se passaram. Aquela bebê já avisou que seu
negócio é chegar chegando. Vem Pipa, tá na hora. A tia está te esperando com
mais alegria e ansiedade do que quando espera batata frita. Vem, querida, estamos
doidos para te conhecer.
(*) Escreve aos domingos, em "O Estado de S. Paulo"
Nenhum comentário:
Postar um comentário