O simples encontro do juiz federal Sergio Moro com o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), já o coloca sob suspeição para continuar julgando processos do ex-presidente Lula, segundo advogados ouvidos pela reportagem. Uma reunião de Bolsonaro com Moro ocorreu nesta quinta-feira (1º) para discutirem a ida do juiz para o Ministério da Justiça. Pouco após o encontro, o magistrado anunciou ter aceitado a missão.
Moro marcou uma audiência para interrogar Lula no dia 14 de novembro no caso do sítio de Atibaia, no qual o presidente é acusado de ter recebido propina da Odebrecht, da OAS e do pecuarista José Carlos Bumlai em forma de obras no imóvel. O juiz também deve julgar no próximo mês a ação penal na qual o ex-presidente é apontado como beneficiário de suborno da Odebrecht na compra de um imóvel em São Paulo que seria destinado ao Instituto Lula.
Suspeição ocorre num processo quando um juiz deixa de ser imparcial, ou seja, quando adota uma postura que compromete a sua isenção para ponderar uma decisão.
O advogado Andrei Zanker Schmitt, professor de processo penal da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Porto Alegre, diz que Moro precisa se afastar já dos casos envolvendo Lula.
"A atuação de um juiz não pode ser pautada por interesses pessoais. Um juiz que confessa possuir aspiração política colidente com casos a ele submetidos não pode julgá-los, sob pena de colocar em dúvida a imparcialidade de sua atuação", afirma. "Suspeição significa suspeita. O cheiro de parcialidade já é motivo para o afastamento de um juiz".
Juliano Breda, advogado que atua na Lava Jato e preside a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Paraná, diz que a posição de Moro de que pensaria no convite de Bolsonaro já denota suspeição. "A declaração evidencia uma aproximação político-partidária incompatível para a isenção que se espera de um magistrado que, neste caso, julgaria o ex-adversário político do presidente eleito", afirma.
Segundo Breda, pela lei brasileira é "praticamente impossível" comprovar a quebra de isenção do juiz. O Código de Processo Penal prevê que o juiz se declare suspeito "se for amigo íntimo ou inimigo capital", se for "cônjuge, ascendente ou descendente", "se for credor ou devedor" ou sócio de algum réu do processo.
Mas ele não vê essa dificuldade no caso da decisão de Moro de se encontrar com Bolsonaro: "Parece ser claro que houve perda total de imparcialidade com a cogitação pública de exercer um dos principais cargo de confiança de quem chegou a pregar a eliminação dos 'petralhas'".
O criminalista Alberto Toron diz que o encontro com Bolsonaro implica perda da imparcialidade por conta da oposição e confrontos entre Bolsonaro e Lula – o presidente eleito disse que Lula deveria apodrecer na prisão. "Se ele é partidário do Bolsonaro, há uma antinomia em relação a Lula", afirma.
O encontro com Bolsonaro, segundo Toron, precisa ser somado a um histórico de fatos polêmicos do juiz em relação ao ex-presidente, entre os quais ele inclui a divulgação de conversas telefônicas de Lula quando a então presidente, Dilma Rousseff, cogitava nomeá-lo ministro, em 2016, e da delação de Antonio Palocci àss vésperas do primeiro turno das eleições.
Há visões discordantes sobre a eventual perda da imparcialidade do juiz. O advogado Thiago Bottino, coordenador do curso de direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, diz não ver problemas no convite. "De todas as situações em que o juiz se manifestou politicamente, falando fora dos autos, comentando casos, dizer que vai pensar no convite é o menos problemático do ponto de vista da imparcialidade".
A parcialidade, de acordo com Bottino, precisa ser analisada a partir de atos nos processos que tiveram um viés contra o ex-presidente, como a divulgação das conversas de Lula em 2016 e da delação de Palocci. Nesses casos, afirma, Moro foi parcial.
O juiz Moro diz que só comenta questões dos processos que julga nos autos.
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