quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Aspectos psicológicos da adoção


Tarzan foi apresentado ao mundo em 1912 pelo escritor Edgar Rice Burroughs, no romance Tarzan of the Apes. ...

Sua mais recente apresentação veio através de desenhos animados do mundo mágico dos estúdios Disney. Assistir a esse filme com meus filhos e ver aquelas cenas belas e cheias de afeto tiveram o efeito de produzir pensamentos fervilhantes acerca da adoção.
A primeira analogia não deve fugir da polêmica adoção inter-racial, que, no caso do filme, é uma adoção interespécies! É um mito que se repete nas lendas e histórias da humanidade. Das lendas, ressaltam os famosos Rômulo e Remo, que foram adotados por uma loba e fundaram Roma. Da mitologia grega, podemos pinçar Hércules, um semideus, adotado por Anfitrião, também seres de espécies diferentes. Mais recentemente, mas não menos famoso, está o Super-Homem, que ainda povoa o imaginário do mundo infantil com seus superpoderes. Também é uma adoção interespécies, pois Super-Homem veio de outro planeta. O início do filme produzido pelos estúdios Disney mostra o trágico naufrágio que fez com que a família de Tarzan fosse parar numa selva não habitada por seres humanos. As cenas seguintes, que mostram a vida familiar dos gorilas e de Tarzan, são brilhantes! O diretor foi seduzido pela escola darwinista, que deixa clara a continuidade física e mental entre animais e homens. A clara referência à nossa proximidade com os antropoides é mostrada poeticamente em cenas alternadas da família de Tarzan e de famílias de gorilas.
As duas famílias fazem exatamente os mesmos gestos, brincam da mesma maneira com seus filhotes, revelam a mesma graça e alegria! Assim como em todas as histórias de filhos adotivos, existe um momento de separação da criança e seus pais biológicos. No caso de Tarzan, ocorre uma separação involuntária, pois seu pai e sua mãe pereceram ao serem atacados por um leopardo. Quase simultaneamente, uma tragédia também abala a vida dos gorilas Kala e Kerchak. De maneira simbólica, as tragédias das duas famílias são da mesma natureza: o bebê recém-nascido de Kala também morreu ao ser atacado pelo leopardo. O instinto de proteção de Kala foi despertado ao som do choro de Tarzan. Seguindo o choro, ela encontrou o bebê sozinho na cabana da árvore. No momento em que seus olhares se cruzaram, houve um encontro de duas dores tão diferentes e tão iguais; dois desejos de estar junto, de proteger e de ser protegido. Tarzan pareceu nem mesmo importar-se com aquele ser de aparência tão diferente de sua mãe, e isso reflete um pouco a prontidão existente nos bebês e crianças pequenas para criar vínculos afetivos.
De maneira geral, as crianças problematizam menos a realidade do que os adultos, cujos preconceitos, valores e condicionamentos de todos os tipos estão fortemente sedimentados. No mesmo momento em que Kala e Tarzan têm o seu primeiro contato, surge o mesmo leopardo que já havia tirado a vida do bebê de Kala e dos pais de Tarzan. Nas histórias reais de adoção, esse tigre terrível poderia representar inúmeras situações e muitos obstáculos que ainda hoje impedem e/ou dificultam que todas as crianças vivam, como lhes garante a Lei, em família e em comunidade. Poderia muito bem representar a desigualdade social, as condições abandonantes, que muitas vezes determinam o abandono ou a doação de um filho.
O leopardo poderia representar os entraves burocráticos das instituições, do Poder Público e do Sistema Judiciário. Poderia também simbolizar o descaso de algumas famílias, a negligência, os maus-tratos, a agressão e a violência contra a criança... Não é difícil encontrar representantes na vida real para os vilões das histórias infantis. Nesse conjunto aqui retratado – abandono e adoção –, as dificuldades são bastante conhecidas de todos nós. Por outro lado, também é muito fácil encontrar a bondade, a perseverança, a força e o amor nesse universo da adoção. A luta tão desigual de Kala, a gorila, com Sabor, o leopardo, para salvar o bebê Tarzan, é fascinante! Todos os meios de proteção do bebê são utilizados por Kala, que ainda não sabia, mas já era a mãe adotiva. Com certeza ela percebe, naquele bebê-gorila-sem-pelos, uma possibilidade de lidar com a sua angústia ao perder o seu filho. Para muitas famílias, a luta do filho que nem chegou a ser gerado, ou as dolorosas tentativas através da Medicina para gerar um filho biológico. No entanto, gostaria de interpretar o ataque de Kala contra o leopardo-maléfico como muito mais emblemática. Nos momentos mais perigosos da luta, Kala não se importa mais com ela mesma.
Ela deseja somente salvar aquele bebê do perigo que está ao seu redor, de todos os entraves sociais, do abandono, da solidão, da morte. Ela quer ter um filho, mas, antes de tudo, ela já exerce o papel de mãe. Papel de protetora. É claro que todos nós sabemos que existem, sim, inúmeras mães e pais biológicos que não são mães nem pais no sentido estrito da palavra. Ser mãe e ser pai é muito mais do que fecundar, gerar ou dar à luz. Ser mãe e pai está além da biologia. A verdadeira parentalidade concentra-se principalmente na capacidade de construir uma relação de amor. E construir uma relação de amor também implica doar-se um pouco, ceder em muitos momentos, proteger em todos os momentos, possibilitar independência... A relação de Kerchak, o pai adotivo que somente assumiu essa relação momentos antes de sua morte, também é significativa. Quando Kala apresentou-lhe o pequeno Tarzan, ele lhe disse: ‘Você pode criá-lo, mas ele não é meu filho’. Parece incongruente, mas talvez seja mesmo muito mais difícil para o homem do que para a mulher a questão de não poder procriar ou de aceitar um filho que não tem os seus genes.
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Culturalmente, o homem é criado para a continuação do seu nome. A continuação do rito familiar foi exatamente o motivo pelo qual o instituto da adoção foi criado pelos romanos da Antiguidade.

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O desenvolvimento da vida de Tarzan mostra, com clareza, o quanto o ambiente é muito mais importante na vida de uma pessoa do que a sua herança genética. Tarzan adaptou-se perfeitamente ao ambiente da selva, aos modos da espécie dos gorilas, aos gestos e maneirismos de seus pais adotivos.

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As mais recentes conclusões mostram que, na verdade, a grande população de crianças adotivas que frequentam consultórios psicológicos, psiquiátricos, de pedagogos, etc. deve-se não aos seus reais problemas, mas à grande ansiedade de seus pais adotivos! Sem muitas vezes perceber, pais adotivos tentam ‘provar’ ao mundo que seus filhos são tão capazes como os filhos ‘biológicos’. Qualquer pequena dificuldade que seria considerada sem importância por pais biológicos é levada muito a sério por boa parte dos pais adotivos, que, imediatamente, tratam de encaminhar seus filhos para o devido ‘tratamento’.


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É um bom momento de reflexão, para todos os pais e mães adotivos ou biológicos, sobre as expectativas que colocamos nos ombros de nossos filhos... Outra bonita metáfora que podemos fazer, nessa história infantil, é que, apesar de Tarzan adaptar-se perfeitamente à selva e cruzar as matas velozmente, em cipós, e copiar o andar dos gorilas, a sua mãe incentivou-o a revelar suas características pessoais. Cada um tem o seu talento dentro de si. No momento em que Tarzan tentava imitar o som de vários animais, a mãe disse-lhe que ele deveria encontrar o seu próprio som. Ele entendeu a mensagem e inventou o seu hollywoodiano ‘grito de Tarzan’, imortalizado pelo ator Johnny Weissmuller, na década de 30! Mais bonito ainda, quando seus amigos gorilas começaram, então, a imitar o seu grito...

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Ainda no início da história, a mãe Kala quer desesperadamente mostrar a Tarzan que eles podem se dar bem, que ele não precisa ter medo dela, que eles têm muitas coisas em comum. Quer mostrar que, apesar da aparência, por dentro, eles são iguais. Ela faz com que ele sinta o seu próprio coração e, em seguida, coloca-o no seu peito para sentir o dela. O coração, esse símbolo cultural de amor, revela sua majestade na cena. A necessidade do vínculo afetivo, a aprendizagem sobre relações de amor, é tão forte que, quando Tarzan tenta conquistar as graças da querida Jane, ele lhe faz exatamente o mesmo gesto.

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Tarzan descobriu o significado de família no momento em que teve de defendê-la de grande perigo. Tarzan ficou e trouxe um pouco do ‘outro mundo’ para ficar com ele. Mas o mais importante, nessa minha cena favorita do ‘coração’, é que ela enfatiza que não deveríamos ter a necessidade de falar das diferenças, dos preconceitos ou das cores das pessoas, pois a melodia de nossos corações é sempre igual!

(WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Aspectos psicológicos da adoção. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014. p. 28-31).