terça-feira, 8 de abril de 2025

Acidente de trabalho


O namorado da minha irmã

chegou e foi preso, levado embora.

Um amigo de 16 anos chegou e

também foi levado












O dia 20 de janeiro de 1971 era feriado no Rio, por isso dormi até mais tarde. De manhã, quando todos se preparavam pra ir à praia (e eu dormindo), a casa foi invadida por seis militares à paisana, armados com metralhadoras.

Enquanto minhas irmãs e as empregadas estavam sob mira, um deles, que parecia ser o chefe, deu uma ordem de prisão: meu pai deveria comparecer na Aeronáutica para prestar depoimento. Ordem escrita? Nenhuma...

Quando acordei e vi aqueles homens, perguntei pra minha mãe* o que era. Ela não respondeu e disse que papai tinha saído. Desci, tomei café e vi as armas na sala. Não entendi nada e fui jogar bola na praia. Quando voltei, estavam todos assustados.

     — ONDE VOCÊ ANDOU? — me perguntou um sujeito.

     — Fui jogar bola.

     — MAS NÃO PODE.

Éramos prisioneiros. O telefone fora do gancho, ninguém saía. O namorado da minha irmã chegou e foi preso, levado embora. Um amigo de 16 anos chegou e também foi levado. Minha mãe chamou-me num quarto e me mandou entregar uma caixa de fósforos pra Helena, que mora perto, mas fazendo o possível pra não ser visto por ninguém.

Fui pro banheiro da empregada, subi no telhado, pulei o muro da vizinha, corri pra rua e voei pra casa da Helena com a caixa apertada na mão. Chegando lá, hesitei em tocar a campainha. Abri a caixinha e vi um papelzinho dobrado:


O RUBENS FOI PRESO, NINGUÉM PODE

VIR AQUI, SENÃO É PRESO TAMBÉM.


À noite, mudou o plantão. Jantar, cafezinhos e, com mais intimidade, minha mãe pediu pra guardarem as metralhadoras num canto da sala. Minha mãe me acorda no dia seguinte e se despede de mim. Ela também tinha que ir, junto com a Eliana (minha irmã de 15 anos)...

Rezava pra que deus soltasse meus pais e ia dormir tranquilo, pois sabia que nada de grave ia acontecer, afinal “cadeia é coisa pra bandido” (pelo menos deveria ser)...

[Depois da ANISTIA] Um repórter, que estava próximo do ex-presidente MÉDICI no aeroporto de Recife, ouviu alguém dizer que RUBENS PAIVA fora morto. Segundo o repórter, nosso ex-presidente riu e falou pro senador VITORINO FREIRE:

     — ACIDENTE DE TRABALHO.


By Marcelo Rubens Paiva

In: Feliz Ano Velho


(*) Eunice Paiva

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